Empresas poderão personalizar ação judicial

Publicado no Valor Econômico

As empresas ou pessoas físicas poderão estabelecer em contrato de que forma um eventual litígio entre elas poderá ser analisado pelo Judiciário, acelerando sua tramitação. A novidade – chamada de “negócio processual” – está prevista no novo Código de Processo Civil (CPC), que entra em vigor nesta sexta-feira.

A ideia é que as partes envolvidas possam ajustar um eventual processo às peculiaridades do negócio, o que lembra, na prática, o que já ocorre nos conflitos levados para a arbitragem. “Será uma mudança radical. Com a alteração, quebra-se a rigidez do procedimento geral e pode-se customizar o processo de acordo com a relação jurídica estabelecida”, afirma o advogado Daniel Martins Boulos, do DMBoulos Advogados, que é professor do Insper.

Advogado Daniel Martins Boulos: “Pode-se customizar o processo de acordo com a relação jurídica estabelecida” — Foto: Ana Paula Paiva/Valor

O novo dispositivo permite, por exemplo, que se combine desde a necessidade de perícia, provas que serão consideradas e se deverá ou não haver sustentação oral ou o uso de testemunhas até a impenhorabilidade de bens e prazos processuais.

Para os advogados Ludmila Albuquerque Knop Hauer e Flávio Augusto Dumont Prado, do Gaia Silva Gaede & Associados, essas inovações vieram para dar mais liberdade aos envolvidos no contrato. “A intenção é que o problema se resolva da melhor forma para as partes envolvidas”, diz Ludmila.

A possibilidade prevista no artigo 190 pode ser aplicada a qualquer tipo de contrato, desde que não seja de adesão (no qual as cláusulas já estão estabelecidas e a contratante deve aceitá-lo da forma que está redigido), ou em situações nas quais alguma das partes esteja em situação de vulnerabilidade.

A alteração deve exigir uma mudança na mentalidade dos envolvidos (advogados, juízes e partes), segundo o advogado Flávio Prado. “Caberá a nós advogados e aos departamentos jurídicos das empresas informar que agora pode ocorrer essa transação”, diz.

De acordo com o juiz substituto que atua na 18ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), Ricardo Cunha Chimenti, a previsão “traz uma flexibilização voluntária dos procedimentos, desde que as partes sejam plenamente capazes, na busca de uma maior eficiência”.

Porém, o magistrado afirma que poderão ocorrer alguns problemas. “Particularmente, eu acho necessário um controle rigoroso nos casos em que se for aplicar o negócio processual, a fim de proteger justamente aquela parte que se encontra em situação mais vulnerável”, diz.

Chimenti cita como exemplo contratos firmados por uma parte que conta com a assessoria de um grande escritório de advocacia e outra que tem um escritório mais genérico e que não tem tanta experiência em lidar com esse tipo de negociação.

Apesar da liberdade para estabelecer condições de condução de um processo, o magistrado acrescenta que um acordo não poderá afetar os poderes e deveres do próprio juiz. “As partes podem sugerir alterações nos procedimentos, mas não podem criar procedimentos novos”, afirma. O juiz, por exemplo, não poderá aceitar provas consideradas ilícitas, segundo Chimenti.

O novo CPC ainda permite, no artigo 191, que se possa estabelecer, em contrato, um calendário próprio para a tramitação do processo. Nesse caso, ficaria dispensada a intimação das partes sobre a prática de ato processual ou a realização de audiências. Porém, o juiz tem que concordar com a viabilidade do cronograma previsto. Caso o magistrado discorde, terá que justificar.

Do ponto de vista prático, o juiz Chimenti acrescenta que o mecanismo pode trazer eficiência por possibilitar a dispensa das partes para os atos processuais. Porém, na prática, poderá ocorrer dificuldades para operacionalizar esse ponto, pois não obedece os prazos convencionais. “Os escritórios têm 10, 15 grandes ações e os juízes têm para analisar, 10, 15 mil processos simultaneamente”, diz.

Além disso, o magistrado alerta que se deve ter cautela porque pode haver um risco maior de um procedimento mais flexível dar errado. “O procedimento tradicional pode ser mais seguro, já que foi pensado por centenas e centenas de juristas. O prejuízo pode vir para a parte que escolheu o advogado que foi além do limite da prudência”, afirma.

Para o professor de Direito da FGV e do Insper, Marcus Vinicius Gonçalves, do Bertolucci & Ramos Gonçalves Advogados, a intenção do legislador é interessante. Porém, pode não ser eficaz na prática. “Esqueceram de combinar isso com os juízes”, afirma.

Na opinião de Gonçalves, devido à enorme quantidade de processos em tramitação, “o juiz não vai ter a boa vontade de analisar todo o contrato de um processo”. Além disso, o advogado ressalta que o Judiciário brasileiro entende que a obrigatoriedade de se respeitar os contratos estabelecidos é relativa.

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